terça-feira, 3 de maio de 2016

GRC, produtividade e Whatsapp: O papel do profissional de serviço em um cenário de insegurança jurídica

Escrevo este artigo 24 horas depois de uma nova ordem judicial de bloqueio de serviços de internet no Brasil ser colocada em prática. É a terceira vez que um juiz determina a suspensão dos serviços do aplicativo WhatsApp no país. A segunda vez que a ordem de bloqueio é executada. Foi mantida por um segundo juiz (desembargador). Na sequência, revogada por um terceiro juiz, também desembargador, que restabeleceu o serviço de comunicação no país.
Na última oportunidade - final de 2015 - ordem judicial semelhante foi anulada, logo na segunda instância. Um desembargador de São Paulo também questionou a decisão do primeiro juiz. Registrou, que não parecia ser uma decisão correta, prejudicar milhões de usuário por causa de uma única investigação:
"em face dos princípios constitucionais, não se mostra razoável que milhões de usuários sejam afetados em decorrência da inércia da empresa" em fornecer informações à Justiça." 
Desta vez, antes de ter sua decisão revertida por um terceiro juiz, o plantonista da segunda instância da justiça, de Sergipe, manteve a decisão do primeiro, com o seguinte argumento:   
“Há de ressaltar-se que o aplicativo, mesmo diante de um problema de tal magnitude, que já se arrasta desde o ano de 2015, e que podia impactar sobre milhões de usuários como ele mesmo afirma, nunca se sensibilizou em enviar especialistas para discutir com o magistrado e com as autoridades policiais interessadas sobre a viabilidade ou não da execução da medida. Preferiu a inércia, quiçá para causar o caos, e, com isso, pressionar o Judiciário a concordar com a sua vontade em não se submeter à legislação brasileira” 

O novo bloqueio

Sobre o bloqueio de agora, a empresa do aplicativo respondeu dizendo que não compreende o motivo da ordem, já que colaborou até onde podia com a justiça brasileira. Argumenta que, em respeito à privacidade de quem usa o serviço, não mantém cópia das comunicações. A comunicação recebe tratamento criptográfico de ponta-ponta durante sua transmissão:
“Depois de cooperar com toda a extensão de nossa capacidade com os tribunais brasileiros, estamos desapontados que um juiz de Sergipe decidiu mais uma vez ordenar o bloqueio de Whatsapp no Brasil. Esta decisão pune mais de 100 milhões de brasileiros que dependem do nosso serviço para se comunicar, administrar os negócios e muito mais, para nos forçar a entregar informações que afirmamos repetidamente que nós não temos.” 


Uma pesquisas  sobre o consumo de mídia pelo brasileiro, concluiu que 92% dos internautas brasileiros usam redes sociais. 83% usam facebook, 58% whatsapp e 17% youtube. 
Uma outra pesquisa, feita pelo IBOPE com os usuários do site conecta-i,  concluiu que 93% dos colaboradores do site usam o Whatsapp para troca de mensagens. O segundo serviço mais usado é o Facebook, com 79%. 
Estes números dão o tom que é necessário para tornar a discussão em torno deste tema algo muito mais sério do que discussão da alteração de regras durante um jogo de crianças birrentas.

A Legislação:

O acontecimento é mais um capítulo da briga sem fim entre rastreabilidade e transparência da informação Vs confidencialidade e privacidade dos indivíduos.
O aparato legal, leis, regulamentações e jurisprudências (histórico de decisões judiciais), além das questões humanas que limitam a qualidade das decisões tomadas no poder público, não é suficientes para garantir previsibilidade nas decisões que envolvem o ecossistema digital.
Do outro lado, fornecedores de tecnologia do setor privado: Microsoft, Apple, Google, e outras empresas, defendem os valores globais, que fazem o seu negócio ser o que é: você se sentiria seguro com sua comunicação na rede vulnerável aos olhos de estranhos? Eu não. Eles sabem disso. 
Já venho discutindo este assunto há algum tempo com um dos meus gurus da Área de Serviços, o Ricardo Mansur. Nas nossas conversas, ele alerta, com frequência, para um dos maiores problemas que temos no Brasil: A falta de qualificação dos profissionais.
Ele já escreve sobre isso há algum tempo. Dá uma olhada lá no blog dele. Tem vários artigos interessante sobre o tema. Se tiver com tempo para leitura de apenas um artigo (além do meu, :P), dá uma olhada no artigo dele sobre Business Defined IT, do qual destaco:

“É claro que foge do escopo desta postagem criticar as decisões do poder judiciário. O objetivo é mostrar que o mundo atravessa por um novo momento econômico que está sendo definido pelo software. No meu ponto de vista, a maior explicação que estamos vivendo à pleno vapor a era dos aplicativos” 


Eu também não tenho a intenção de criticar a decisão do poder judiciário. Acho que ele tem sua própria forma de tomar decisões e está amadurecendo na medida que enfrenta as novidades do nosso mundo. 

Conscientização:

Meu propósito é colaborar para criar uma massa de informação e debate, que concientize profissionais como eu e você, brasileiros, profissionais de serviço, sobre nosso papel, importante, no processo de amadurecimento de toda esta governança. 
É preciso que o "mundo dos negócios" assuma o protagonismo desta área cinzenta, discutindo abertamente os possíveis conflitos entre rastreabilidade, transparência, confidencialidade e privacidade nas relações existentes nos seus negócios: com partes internas e externas.
O WhatsApp é só uma das tecnologias que são usadas nas empresas para fazer negócios e que estão completamente "fora do mapa" dos recursos necessários e valiosos para os negócios. Existem muitas outras.
Nesta perspectiva, o prestador de serviço qualificado tem um papel valioso para a sua empresa. E por que não, para a sociedade? 
Começando com o que está ao seu alcance, ele pode compreender quais processos de negócios estão vulneráveis a este ambiente imprevisível, e atuar como fiel da balança entre: 
  • Decisões individuais: Uso ou não o aplicativo WhatsApp como ferramenta que aumenta minha produtividade e de minha equipe?
  • Interesses coletivos
    1. O aplicativo ajuda na produtividade dos negócios, apesar de vulnerável às incertezas políticas e legais do país? Se sim, há alternativas? 
    2. Se não, como diminuir riscos de uma decisão jurídica como a de ontem, mesmo que questionável. 
    3. Se optar pelo uso do aplicativo, além de adotar as medidas para diminuição dos riscos ao negócio, há interesse da empresa "usuária", em participar de debate saudável, envolvendo agentes do poder público, sobre casos de uso das tecnologias, fundamentos de cidadania e riscos sociais e empresariais? 
    4. Se há interesse no debate,  como e com a parceria de que agentes externos a empresa pode desenvolve-lo visando criar um ambiente mais sustentável para o seu negócio?

Informação:

Ao oferecer para a empresa onde trabalha e para a sociedade, informações assertivas sobre como os negócios estão vulneráveis à decisões externas, o profissional pode assumir uma posição de liderança e fornecer insumos para a construção ou escolha de alternativas mais confiáveis de tecnologia, para todos.
No seu artigo: Whatsapp o retorno, o professor Ricardo Mansur alerta para algo importante:
"A pergunta que não quer calar é o que vai acontecer com os presidentes da Microsoft, Alphabet, Apple do brasil se os equipamentos apreendidos estiverem criptografados com senhas? Eles vão ser presos porque não destruíram a confiança que os seus clientes depositaram neles? A justiça brasileira vai continuar a colocar na cadeia trabalhadores honestos e deixar nas ruas os bandidos? Até quando o Brasil vai ignorar que o mundo mudou e que é preciso contratar engenheiros qualificados para fazer parte do sistema judiciário?"
Ele está certo. Tenho esperança de que chegaremos aí, algum dia. O poder público possui "gaps" e atrasos enormes nas áreas de conhecimento do mundo digital. Além disso, quando encara o setor privado, muitas vezes, atua com soberba histórica. Esta atitude se agravou nos últimos anos. Embora não caiba aqui discuti-la, em suas origens. 
Nesta queda de braço, quem permanece "investindo sua vida" (gosto deste termo) no mercado brasileiro, não pode esperar que agentes do Estado descubram a necessidade de contratar especialistas.
É nesse sentido, que gostaria de complementar  a visão do mestre. Sem me opor ao que ele diz, me atrevo a explorar um pouco mais o assunto, e complemento: 
Se as empresas não atuarem estrategicamente nesta área, continuarão deixando um espaço aberto, onde profissionais não especializados e com outros interesses irão tomar as decisões que melhor convenham aos seus próprios objetivos.
Este é o caso do juiz, que, dentro de sua própria avaliação, focado apenas no seu objetivo, seja por inabilidade de enxergar sua "missão maior" dentro da sociedade, desconhecimento, ou soberba, ignora o histórico de decisões semelhantes tomadas antes das suas. Com efeito, usa dos instrumentos burocráticos como fortificante da "queda de braço", improdutiva, entre a "sua" justiça e "mundo dos negócios".
  • Em 2007 o YouTube ficou temporariamente fora do ar, em uma ação da Daniela Cicarelli, que teve sua privacidade escancarada na rede. Em 2015, a empresa pagou uma indenização de R$500.000,00 para a apresentadora.
  • Em agosto de 2012, um juiz eleitoral de Santa Catarina ordenou que o Facebook tirasse seus serviços do ar. Dois dias depois o mesmo juiz suspendeu sua própria decisão.
  • Em setembro de 2012, um juiz de Campina Grande mandou prender um executivo da Google no Brasil. A empresa se negou a retirar um conteúdo político do ar. A Google recorreu e reverteu o pedido de prisão.
  • No mesmo mês, o diretor-geral da Google foi preso pela polícia federal em São Paulo, por motivo idêntico. Foi ouvido e liberado em seguida. A polícia entendeu que se tratava de crime com baixo potencial ofensivo.
  • Em fevereiro de 2015, um juiz do Piauí determinou o bloqueio do Whatsapp, pela primeira vez. O objetivo era forçar a rede social a colaborar com investigações policiais. O juiz se apoiou no marco civil, porém, sua decisão foi suspensa por um desembargador do mesmo Estado após analisar o mandado de segurança contra os representantes da empresa.
  • Em dezembro de 2015, a ordem veio de São Bernardo do Campo. Mais uma vez foi solicitado o bloqueio do aplicativo, só que usando outra fragilidade do marco regulatório. A justiça ordenou que operadoras bloqueassem o aplicativo por 48 horas. O bloqueio aconteceu e 11 horas depois foi revogado por outra instância da justiça.
  • Em março deste ano, o vice-presidente do Facebook para a América Latina foi preso provisoriamente, na tentativa de forçar a empresa a liberar conversas do Whatsapp para a justiça. Alegando limitações técnicas e de segurança, a empresa não forneceu as informações para a justiça.
  • Em maio de 2016, quase uma década depois do caso envolvendo Cicarelli Vs Youtube, nossa justiça ainda não entendeu a ineficiência desta forma de atuar e o Whatsapp sofre novo bloqueio. 


Até quando?

O assunto merece ser exaustivamente discutido. Está claro que a internet já deixou de ser brincadeira de criança há algum tempo. Procurarei encorpar ainda mais o debate, fazendo a minha parte ao usar este blog para mostrar, do ponto de vista da gestão em serviços, como podemos, como profissionais qualificados, deixar de ser vítimas e passar a ser protagonistas neste cenário movediço.
Até o próximo artigo. Enquanto isso, me convide para um café. Quem sabe você não me ajuda com idéias para o próximo artigo? Prometo citar seu nome aqui, como fiz com o nome do meu amigo Ricardo Mansur.
consultoria@gustavominarelli.com.br